Quando se dirige o olhar para  analisar o imaginário social dos anos 1990, depara-se com indícios tanto de  continuidade quanto de rupturas. Constatam-se a convivência concomitante do  velho e do novo, própria a toda sociedade em transformação, e uma pluralidade  de posições teóricas e políticas que apontam tendências otimistas ou  pessimistas conforme o caso. Profundas transformações políticas e econômicas  marcam o início dos anos 1990 - pelo menos é esse o viés com o qual Gil (2001) o  enxerga. Seus argumentos são arrolados: esfacelamento dos estados comunistas do  leste europeu, unificação alemã, fim à Guerra Fria. Ocorrências que não só se  reflem diretamente no mundo todo, como também consolidam ou reafirmam a  hegemonia americana, tanto política quanto militar.
  É presente  nos anos 1990 a imagem de exuberância, sobretudo para uma realidade americana,  mas que em certa medida afeta a conjuntura da América Latina, em especial do  Brasil. 
  Stiglitz  (2003) salienta que é a década em que as finanças reinam absolutas. Durante toda a década o  crescimento econômico americano se mantém, a inflação permanece sob controle, e  os níveis de desemprego são os mais baixos do mundo. 
  Nos exuberantes anos  90, o crescimento atingiu níveis não vistos em uma geração. Artigos de jornal e  especialistas proclamaram que havia uma Nova Economia, que as recessões eram  coisa do passado e que a globalização traria prosperidade para o mundo todo.  Mas no final da década, o que parecia ser o alvorecer de uma era passou a  assemelhar-se mais e mais a um daqueles breves surtos de atividade econômica  [...] seguido inevitavelmente por um colapso, que marcaram o capitalismo há  duzentos anos (STIGLITZ, 2003, p.  33).
  Conforme considera esse autor, não  era o que se esperava, porque o mundo já não mais se dividia ideologicamente;  podia não ser o fim da história mas, pelo menos por uns poucos anos, confiou-se  que era o início de uma nova era. “Não era apenas o capitalismo que triunfara  sobre o comunismo; a versão americana do capitalismo, baseada em uma imagem de  individualismo rude, parecia ter triunfado sobre outras versões mais brandas” (ibidem, p. 34). 
  A Nova Economia tinha como seu  epicentro as “ponto com”, que estavam supostamente  revolucionando a forma de se fazer negócios: mudança de uma produção de bens  para a produção de idéias. Processamento de informação, não mais de pessoas e  estoques. 
  Os primeiros sinais de que algo não  ia bem foram aparecendo no mundo no final da década, inclusive no Brasil de  1999. Na visão de Stiglitz (2003), a grande lição a ser aprendida de  tudo isso é que é preciso haver equilíbrio entre o papel do governo e o dos  mercados. 
  Entretanto,  o que importa não é discutir pormenorizadamente a realidade econômica ou mesmo  os booms e colapsos do capitalismo  moderno. O que interessa, evidentemente, é o processamento do resgate de uma  imagem presente no imaginário dos anos 1990 que também repercute na geração que  viveu e vive sob essa égide.
  Após a luta  inglória contra os índices inflacionários, a recessão e o desemprego da década  anterior, iniciam-se no Brasil dos anos 1990 as iniciativas de integração ao  mercado mundial. A economia abre-se para o capital externo, e, na visão de Gil  (2001), tal fator contribui para o aumento no volume de demissões, até que, do  meio da década em diante, se obtém a estabilidade monetária (Plano Real), mesmo  que desacompanhada do crescimento econômico e do nível de emprego. Um fenômeno  bastante importante, continua o autor, foi a migração de grande contingente de  profissionais para o mercado informal. O foco reivindicatório passa a ser,  então, a preservação do emprego através de um movimento sindical arrefecido. Em  suas considerações, Gil (2001) confia que, ainda assim, o poder dos  trabalhadores não pode ser de todo desconsiderado, visto que tanto governo  quanto empresários passam a se utilizar intensamente da expressão “pacto  social”. O discurso político das lideranças sindicais também se modifica e passa  a ser dedicado a causas sociais. 
  No Brasil, na passagem dos anos 1980  para os anos 1990, convive-se com uma imagem no mínimo desconcertante:
  Tudo o que os  guerrilheiros e militantes sixties não obtiveram, apesar da paixão e da disciplina, os garotos de 1990 alcançaram  com espalhafato, criatividade e nenhum projeto de longo alcance. [...] Alheios  às utopias marxistas ou libertárias, desinteressados de guerrilhas ou da política  partidária ou de tendências [...], os rebeldes lançaram mão de uma arma  estranha ao arsenal dos antecessores: o humor (SILVA, 1996, p. 146)
  Em Sousa  (1999, p. 9) localizam-se críticas à associação automática que se habituou  fazer entre juventude e representação de imagens de esperança, desejo de  justiça, “portadora ímpar de utopias ou projetos de transformação da sociedade  existente. Na condição de elo entre o passado e o futuro, caberia a ela ser foco  da mudança do legado social pela invenção do futuro”.
  A autora  analisa o resgate da utopia nos anos 1990 através da retomada de movimentos  sociais e da militância política de jovens. Ela tem o cuidado, entretanto, de  não se afastar da representação predominante e, arrisca-se a dizer, unânime da  cultura brasileira como fortemente autoritária. Outro cuidado de sua parte é considerar  os efeitos da internacionalização da economia sobre a subjetividade  contemporânea. Evita, ainda, o lugar comum de atualizar modelos próprios aos  movimentos estudantis ou manifestações de rua que ocorreram quando do impeachment do presidente Collor. Seu  esforço, ao contrário, é todo dirigido no sentido de construir argumentos que  confirmem que “os conteúdos das ações coletivas dos jovens hoje não significam  nem retrocesso nem avanço, mas o que é possível historicamente sua geração ser  portadora” (ibidem, p. 14).
  Posto isso,  se, ao analisar o imaginário presente na atualidade relativo à liderança ou à  relação com a autoridade, se leva em conta o trajeto percorrido até aqui pelas  últimas gerações de adultos, não se exige muito esforço para compreender que a  marca do autoritarismo ainda se revela fortemente presente, sobretudo quando se  considera, como faz Sousa (1999), que o autoritarismo tem seu fundamento  material em relações de dominação e desigualdades sociais, expressas de  múltiplos modos e que transformam a vida das pessoas e a cultura. Nessa  perspectiva, ela destaca que a própria razão que orienta a economia é  essencialmente autoritária e, nesse sentido abrangente.
  O autoritarismo [...]  é colocado em questão quando consideramos que a construção da cidadania em  países capitalistas revela a importância da raiz histórica como elemento  constitutivo da cultura e do comportamento político de um povo sobre o qual  atuou e atua a reificação social (ibidem, p. 58). 
  É seguindo  esse percurso que Sousa (1999, p. 93) caracteriza os movimentos sociais  presentes na década de 1990 como ações coletivas que
  preservam um  comportamento social de resistência e de luta antiautoritária como ponto comum,  mas adquirem a fragmentariedade própria da sociabilidade em que se  desenvolveram, tornando a visibilidade das ações das conquistas limitada a seus  aspectos localizados, em razão da enorme complexidade que as relações  assumiram. Portanto, são outros elementos que constroem estas relações: a  pluralidade, a distopia, as preocupações com as microcorrelações e com as  soluções localizadas, e que ainda carregam a incógnita quanto aos horizontes  que poderão alcançar. 
  E, para seu  entendimento, não se pode prescindir de variáveis que marcam a  contemporaneidade como a violência, a miséria, a falta de cidadania e a  carência de democracia.
  O Brasil  dos anos 1990 convive com imagens revivificadas de populismo e de tendências de  personalização e espetacularização dos líderes políticos, com a visão do  governante como salvador carismático e com a sacralização-satanização da  política, associando-se sempre a essa última imagens negativas. A teatralização  do poder reduz a população a espectadores, processando a troca do público pela  publicidade, implicando no descomprometimento com o bem comum. A crise do  Estado acentua-se, bem como o descrédito na política e no político; a  internacionalização da economia e a reestruturação produtiva, que supostamente  desloca a decisão para a base da produção, vinculam-se, ainda, com estruturas  centralizadas. É, portanto, a convivência do velho com o novo. Tudo isso marca  o imaginário social e o cenário dos anos 1990, trazendo em seu bojo  contradições e incertezas, o compartilhamento da diluição de referenciais. 
  Ao se dizer  que a sociedade brasileira é autoritária, pensa-se em determinados traços  gerais que se repetem em várias esferas sociais, da família ao Estado, passando  pelas relações de trabalho, escola e cultura. Vive-se, sem que se tenha uma  consciência clara de que a sociedade é verticalizada e de que nela as relações  são de cumplicidade quando os sujeitos se reconhecem como iguais e de  mando/obediência quando esses mesmos sujeitos se reconhecem diferentes, numa  relação não só de assimetria, mas principalmente de desigualdade. 
  O que ocorreu a partir dos anos 1990,  na concepção de Teixeira (1998, p. 182) é que
  os brasileiros  conheceram de perto o cenário do qual apenas tinham ouvido falar. O desemprego  estrutural apresentou-se a partir da abertura das fronteiras comerciais. Os  cortes de pessoal antes cíclicos e relacionados com a queda de faturamento das  empresas eram pequenos diante dos que começaram a ser promovidos no início da  década de 90.    
  Acresce-se a tudo isso mais um  elemento importante a ser considerado no tocante ao imaginário geracional que  consiste na indagação sobre a estabilidade da construção democrática em  processo, iniciada a partir dos anos 80, principalmente porque se trata de  refletir sobre a relação entre o poder civil e o militar.
  Não raro  depara-se com afirmações em jornais ou em livros acadêmicos de que a democracia  brasileira está consolidada. A democracia brasileira é frágil, pelo menos na  visão de Zaverucha (2000). Baseado na tese de que os militares só estão parcialmente  submetidos ao controle civil, o autor confia que as Forças Armadas não têm o  peso no poder como no regime autoritário, estando porém ainda distante a sua  subordinação ao poder civil. Considera que o fim dos regimes autoritários na  América Latina deu lugar ao surgimento de governos democráticos, como se sabe,  no sentido de que se assegurou a escolha direta, livre e periódica para os  cargos executivos e legislativos. Além do que o Congresso e os partidos, bem  como os sindicatos funcionam normalmente; não existe censura estatal na mídia e  há liberdade de associações etc. Contudo, o respeito às eleições per se e a própria existência delas não  podem ser entendidos como consolidação democrática. 
  [...] a instabilidade  política continua a existir em um continente onde coexistem democracias  procedurais com populações social e economicamente marginalizadas, tíbias  instituições políticas, altos níveis de violência e corrupção. A democracia  nestes países permanece de um modo genérico; contudo, não se consegue criar um ethos democrático.
  Mas o que vem a ser  controle civil sobre os militares? Trata-se da capacidade de as autoridades  constituídas (Executivo, Legislativo e Judiciário) e a sociedade civil  organizada (sindicatos, associações, imprensa etc.) limitarem o comportamento  autônomo das Forças Armadas, eliminando, por conseguinte, enclaves autoritários  dentro do aparelho do Estado (ZAVERUCHA,  2000, p. 11).
  Para o mesmo autor, “os militares  brasileiros mostram-se satisfeitos em não ter de carregar o ônus de ser governo  e, simultaneamente, usufruem o bônus de ser poder” (ibidem, p. 11). Além do que, no Brasil, pela ausência de um líder  militar proeminente, o poder é exercido de forma mais sutil. O autor recorre a  Desh ,  e registra que “há uma excessiva presença militar no sistema político. Ou seja,  a doutrina militar ainda determina quais, onde e como os recursos militares  serão usados”.
  Essas afirmações, é bom que se diga,  fazem alusão aos governos de Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique  Cardoso, compreendendo a análise do período entre os anos 1990 e 1998. 
  Um outro elemento importante é o fato  de Dahl  ao classificar o Brasil como uma poliarquia, não menciona dentre os critérios  usados, a necessidade da existência do controle democrático sobre os militares  de uma população livre de violência arbitrária por parte das polícias ou de uma  justiça imparcial no tratamento dos civis e militares. E é o mesmo Zaverucha  (2000, p. 14) que conclui: “uma democracia política (poliarquia) pode existir  sem um controle civil sobre os militares; contudo, um regime democrático requer  este tipo de controle”. 
  A análise de Zaverucha (2000) serve  ao propósito de se dar relevância à caracterização de uma natureza latente do  poder militar, num esforço de se obter entendimento sobre o quanto da presença do  poder autoritário no imaginário contemporâneo encontra eco no real. 
  O autor argumenta, enfim, 
  que Collor, enquanto  esteve forte politicamente, foi o presidente civil que mais fustigou os  interesses militares e por isso, dentre outros motivos, não contou com a  caserna quando precisou de apoio para evitar sua defenestração. Itamar, por sua  vez, mostrou-se tão subserviente aos militares quanto José Sarney. Já FHC,  embora não apresente a subserviência de Sarney e Itamar, mostrou-se disposto,  freqüentemente, a compor politicamente com os militares (ibidem, p.  16).
   Em síntese, recorrendo-se a Abramo (1998), tem-se  que, na década 1960 e em parte da de 1970, a imagem construída para a juventude  assume uma conotação, à época, de jovens ameaçando a ordem, nos planos  político, social e moral; de jovens que com uma atitude crítica à ordem  estabelecida, desencadearam atos concretos voltados à transformação: movimentos  pacifistas, estudantis e de oposição ao autoritarismo, rejeição à tecnocracia e  outras formas de dominação,  contracultura  e movimento hippie. Somente muitos anos depois é que essa imagem,  principalmente a relativa à juventude dos anos 1960 foi reeditada no imaginário  social, plasmando-se como idealista, generosa, criativa, que cometeu a ousadia  de sonhar e comprometer-se com a mudança social. 
  Nos anos 1980, continua Abramo  (1998), em forte contraste, a juventude assume uma simbologia patológica,  porque oposta à dos anos 1960: individualista, consumista, conservadora, indiferente  aos assuntos públicos e apática, tudo isso associado ao pragmatismo e à falta  de idealismo e de compromisso político.
  E, por fim, dos anos 1990 até a  atualidade, a visibilidade do jovem muda. Agora é a presença de inúmeras  figuras juvenis no espaço público que surpreende em suas ações coletivas ou  individuais. Porém, algumas dessas ações continuam marcadas pelo individualismo  e pela fragmentação e agora vêm acompanhadas de violência, desregramento e  desvio (meninos de rua, arrastões, surf ferroviário, gangues, galeras e puro  vandalismo). 
  Uma vez tecido um panorama global da  conjuntura sobre a juventude que viveu, construiu e materializou o imaginário  relativo à autoridade e à relação com os modelos de liderança presentes – quer  na família, quer na escola, na política etc. –, pretende-se compreender um  pouco mais pormenorizadamente, na seção seguinte, em que se constituem de fato  as gerações e que limites as determinam, bem como caracterizar as três últimas  gerações de adultos que foram jovens um dia e suas respectivas representações.
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![]() 1647 - Investigaciones socioambientales, educativas y humanísticas para el medio rural Por: Miguel Ángel Sámano Rentería y Ramón Rivera Espinosa. (Coordinadores)  Este  libro  es  producto del  trabajo desarrollado por un grupo interdisciplinario de investigadores integrantes del Instituto de Investigaciones Socioambientales, Educativas y Humanísticas para el Medio Rural (IISEHMER).  Libro gratis  | 
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